domingo, 15 de agosto de 2010

A ÉTICA DO RISO


Meu pai, que era um sábio, gostava de dizer - e dizia em espanhol porque fica mais bonito:
“ Hay limites. Yo no los conosco, pero que los hay, los hay”.
O palhaço é um transgressor, um excêntrico; está fora dos eixos, das regras, da lógica, do bom senso, do bom gosto e das boas maneiras. Ao palhaço tudo seria permitido?
Quem sou eu para ditar regras? Ainda mais a quem está ao largo delas? Quero apenas lembrar que o riso pode ser transgressor ou opressor. O riso liberta e reprime. Tudo depende do momento e de como e quem o provoca e para quem, com quem e de quem se ri.

Riso ou escárnio? Piadas racistas, sexistas, fascistas ... existem aos montes e o contra ponto para elas não é a elaboração de um manual de boas maneiras ou um livreto sobre o que é e o que não é politicamente correto. O contra ponto para o deboche repressor e constrangedor é a sensibilidade e a consciência do cômico, daquele que pretende provocar o riso alheio. Judeus são os melhores contadores de piadas de judeus, assim como as melhores farpas e ironias sobre bichinhas foram as que ouvi contadas por homossexuais. Pode piada de loura burra; podemos rir de gordos, magros, cegos, advogados, jornalistas, sapatões, machões e o que mais nosso humor inventar. A grande diferença entre humilhar e brincar é a que existe entre rir de e rir com. Num grupo de amigos exercitamos constantemente o humor que inclui, que transborda de afeto. Mas o mesmo comentário pode resultar numa ofensa que magoa e exclui. Tudo depende dos nossos verdadeiros sentimentos.

Um palhaço é um ser estranho que bota a mão no fogo, que põe a cabeça na guilhotina e que se expõe nu em sua tolice e estupidez. O palhaço é diferente do comediante. Ele não conta uma história engraçada. Ele é a graça, ele é o risível. A torta bate primeiro no seu rosto, o pé encontra a sua bunda e o tapa, a sua cara. literalmente o palhaço dá a cara à tapa!

Por isso não acho graça em palhaços cheios de discursos moralizantes ou politicamente corretos.

Palhaço quando faz discurso fala besteira. Palhaço erra. Palhaço não fala sério. Quando o palhaço é bom, nós, o público, é que escutamos e percebemos o quanto de sério e verdadeiro pode estar entranhado nas tolices e patetices daquele ser tão atrapalhado e estúpido. Palhaço não pode vir com legendas explicativas, senão acaba a graça, acaba a palhaçada.

Palhaço não dá lição de moral, mas também não é amora! Mas quem sabe a diferença? Quem conhece o limite? Acho que tudo depende do lado que escolhemos na vida e de compreender que, a todo instante, é como se um espelho aparecesse, o muro andasse, trocando os lados de lado. O que é justo num determinado momento ou situação pode ser muito injusto no momento seguinte. A Verdade nunca é absoluta, a bondade nem sempre é o melhor caminho, e por aí as coisas vão, exigindo atenção, sabedoria e um firme exercício de fidelidade aos princípios que norteiam a vida dos que escolhem ter princípios na vida.

O Elogio da Bobagem
Alice Viveiros de Castro
Editora Família Bastos

Nenhum comentário:

Postar um comentário